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Novas parentalidades e a reprodução humana assistida

A parentalidade é definida no dicionário como o estado ou condição de quem é pai ou mãe (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). É um conceito abrangente que vai além da biologia para incluir as dimensões sociais, psicológicas e emocionais do cuidado e da criação de crianças. Compreende uma ampla gama de arranjos familiares, desde famílias monoparentais e famílias adotivas, passando por famílias LGBTQ+ e co-parentalidades. Alguns arranjos familiares, dentre eles as pessoas sem parceiros, casais homoafetivos e pessoas transgêneros, podem encontrar barreiras biológicas para realizar o sonho de ter um filho, mesmo sendo uma família constituída de pessoas consideradas saudáveis.

A reprodução humana assistida pode ser uma estratégia para esses arranjos familiares conseguirem exercer a parentalidade, ou seja, serem pais e mães. O uso das técnicas de reprodução assistida para pessoas solteiras e casais homoafetivos é garantido no Brasil desde de 2013 pela resolução Nº 2.013/13 do Conselho Federal de Medicina. Existem também grandes avanços internacionais sobre o tema, como é importante ressaltar a atualização do conceito de infertilidade publicado em 2023 pela American Society for Reproductive Medicine (ASRM) que incluiu qualquer pessoa que necessite de ajuda médica para construir uma família, independentemente do estado civil, identidade de gênero ou orientação sexual.

No Brasil as principais possibilidades que atendem as necessidades dos pacientes que buscam a reprodução humana assistida e divergem do conceito casal heterossexual são: a adoção de gametas ou embriões, a gestação compartilhada e útero de substituição. O uso das técnicas e procedimentos de reprodução humana assistida são inerentes à escolha de qualquer uma dessas possibilidades, e apesar da personalização de acordo com a necessidade do tratamento, o objetivo final é formar um embrião, transferi-lo ao útero e gerar um bebe saudável.

A adoção de gametas é a possibilidade dos pacientes, quando somente um, ou nenhum, podem contribuir para o material genético (óvulo ou espermatozoides), de utilizarem no tratamento os óvulos ou espermatozoides que foram doados e, consequentemente, possuem material genético diferente dos seus.  No Brasil, a doação de gametas é regulamentada pela resolução do CFM de Nº 2.320/22 e deve ser feita de maneira altruísta, voluntária, anônima e sem fins lucrativos. Ou seja, pessoas do sexo feminino podem doar seus óvulos e pessoas do sexo masculino podem doar seus espermatozoides aos Bancos de Células e Tecidos Germinativos, chamados popularmente de Bancos de Gametas, que funcionam como mediadores. Existem também a possibilidade da doação de gametas para parentesco de até 4º grau de um dos receptores (primeiro grau – pais/filhos; segundo grau – avós/irmãos; terceiro grau – tios/sobrinhos; quarto grau – primos) desde que não incorra em consanguinidade, e nesse caso, o anonimato pode não precisa ser mantido.

Os Bancos de Gametas têm a responsabilidade de cuidar do armazenamento das células e do controle de qualidade e rastreio solicitados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), normalmente as clínicas de reprodução humana possuem seus próprios bancos e, também, existem empresas terceirizadas. O custo que envolve a adoção de gametas está relacionado à logística e armazenamento, e aos procedimentos inerentes ao tratamento. No caso da adoção de espermatozoides existe a possibilidade de realizar a inseminação intrauterina, a fertilização in vitro (FIV) e a injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI). Já a adoção de óvulos restringe a possibilidade de tratamentos a FIV e ICSI.

A adoção de embrião também é uma possibilidade para casais homoafetivos, transgêneros, produção independente, incluindo a barriga solidária. Os embriões doados são embriões congelados cujos genitores passaram por tratamento de reprodução humana mas não desejam tentar mais uma gestação. Quando é escolhida essa opção, algumas etapas do tratamento não se fazem necessárias e, logo, é encaminhado para o procedimento de transferência embrionária para o útero que irá gestar o embrião. No caso de reprodução independente feminina, casais homoafetivos femininos e pessoas transgêneros com útero, normalmente, opta-se pela transferência em um dos indivíduos que está adotando o embrião.

A gestação compartilhada é uma opção que consiste que o embrião possa ser gerado a partir de células reprodutivas de um dos parceiros em junção com os gametas de um doador. No caso de um casal de mulheres, o embrião resultante poderá ser transferido para o útero da parceira.

O útero de substituição é a doação temporária do útero de uma mulher. É uma possibilidade que pode ser usada em situações nas quais a pessoa que deseja ter um filho biológico não tenha condição de gerar a criança, como no caso de reprodução independente masculina, casais homoafetivos masculinos e pessoas transgêneros sem útero. O Conselho Federal de Medicina em 2015 determinou que as doadoras temporárias do útero devem ter parentesco de até 4º grau com os doadores genéticos e é preciso que se respeite o limite de idade de 50 anos. Já em 2022 a resolução do CFM nº 2.320 traz mais uma novidade: na impossibilidade de atender à relação de parentesco, prevista na regra, uma autorização de excepcionalidade pode ser solicitada ao Conselho Regional de Medicina da jurisdição.

Neste contexto, a reprodução humana desempenha um papel fundamental, oferecendo oportunidades sem precedentes para o estabelecimento de vínculos parentais. Os avanços científicos abrem um vasto leque de possibilidades, viabilizando que casais LGBTQ+, indivíduos solteiros e aqueles que enfrentam desafios biológicos realizem o desejo de se tornarem pais. No entanto, é crucial ter clareza sobre as regras que regulam a atividade de reprodução humana assistida no Brasil, garantindo que esses processos ocorram de maneira ética, segura e em conformidade com a legislação vigente.

 

Referências

Vamos falar sobre doação de embrião no Brasil? Disponível em: <https://pronucleo.com.br/embriologista/vamos-falar-sobre-doacao-de-embriao-no-brasil/#:~:text=Diante%20da%20atual%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%202.294>. Acesso em: 1 mar. 2024.

Resolução do CFM permite doação de óvulos e espermatozoides com grau de parentesco no Brasil. Disponível em: <https://sbra.com.br/noticias/resolucao-do-cfm-permite-doacao-de-ovulos-e-espermatozoides-com-grau-de-parentesco-no-brasil/>. Acesso em: 1 mar. 2024.

Guidance regarding gamete and embryo donation. Fertility and Sterility, abr. 2021.

RESOLUÇÃO CFM no 2.294/2021. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2021/2294_2021.pdf>.

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RESOLUÇÃO CFM nº 2.320/2022 [s.l: s.n.]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2022/2320_2022.pdf

Definition of infertility: a committee opinion (2023). Disponível em: <https://www.asrm.org/practice-guidance/practice-committee-documents/denitions-of-infertility/>.

S.A, P. I. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://dicionario.priberam.org/parentalidade>. Acesso em: 1 mar. 2024.

RODRIGUEZ, Brunella Carla; GOMES, Isabel Cristina. Novas formas de parentalidade: do modelo tradicional à homoparentalidade. Bol. psicol,  São Paulo ,  v. 62, n. 136, p. 29-36, jun.  2012 .   Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432012000100004&lng=pt&nrm=iso

acessos em  01  mar.  2024.

 

Autoria: Vitoria Cristina Bernardelli

 

Revisão: Fernando Prado Ferreira